terça-feira, 11 de março de 2008

Dedicatória

Vá até a cozinha e pegue um pedaço de pão. Coloque-o sobre a mesa e fique observando-o. Como é simples, aparentemente! O pão é um bem que pode ser adquirido por qualquer pessoa. Mesmo o miserável dos miseráveis pode esmolar no farol uma moedinha e, por trinta centavos, comprar um pedaço de pão numa das dezenas de milhares de padarias do País.

Ao mesmo tempo, como é precioso! Se o leitor fosse colocado no meio da floresta e recebesse a ordem de produzir pão, quem seria capaz de fazê-lo? Quem saberia, dentre a vegetação silvestre, encontrar os pés de trigo selvagem? Quem saberia preparar o solo e plantar a quantidade necessária? Quem saberia colher, secar e triturar os grãos, preparar a massa, arranjar fermento e acender o fogo? O máximo que a maioria de nós conseguiria fazer seria gastar energia e permanecer de barriga vazia. Mesmo com cinco, dez ou trinta pessoas ajudando, o resultado seria o mesmo. Nós sabemos fazer projeções em uma planilha de Excel, dirigir veículos ou fazer pagamentos via Internet. No entanto, não sabemos produzir o pão que nos manterá vivos amanhã.

Todos os bens e serviços do planeta contém algum trabalho. O trabalho é um dos componentes da riqueza. No entanto, seriam ingênuos aqueles que afirmam ser a riqueza fruto exclusivo do trabalho braçal. Afirmariam que trabalho, por conta própria, gera as riquezas da humanidade e que o resto é apropriação indébita do esforço do trabalho.

Na verdade só existe riqueza quando existe inovação. Mesmo no caso de um simples pedaço de pão, ele só pode existir devido às invenções de pessoas ao longo de milhares de anos. Se não houvesse aquele que descobriu a semente, aquele que aprendeu a lidar com o solo ou que conseguisse, pela primeira vez, realizar os processos descritos acima, hoje não haveria pão. Se isso é verdade para aquele simples alimento, o que dizer de um computador de última geração? Dentre os milhares de dólares que se paga por um computador avançado, quanto disso é necessário para custear o trabalho braçal de montagem? Por que o computador avançado vale alguns milhares de dólares enquanto o modelo de cinco anos atrás não vale mais nada? Ambos usam a mesma quantidade de mão-de-obra e materiais para serem produzidos...

A verdade é que a riqueza nada mais é do que o fruto da genialidade humana e da insistência de homens e mulheres em fazer coisas melhores. A verdadeira riqueza está em criar coisas, é isso que nos distingue dos animais. Os seres humanos só são completos quando eles são capazes de criar. O computador avançado vale mais porque nele se agregaram as criações mais recentes permitidas pela inesgotável criatividade humana.
Produzir é diferente de consumir. É impossível uma pessoa produzir todos os bens de que necessita para levar uma boa vida. Para suprir a diferença, cada pessoa tem de obter externamente os bens que não consegue criar por conta própria. Para esse fim, existem duas e apenas duas formas possíveis de se obter bens materiais.

A primeira é a troca, a entrega de valor pelo valor. Se uma pessoa tem pão e outra tem peixe, elas podem trocar, usando a taxa de conversão que for aceitável para ambas. A troca só existe se for boa para ambas as partes porque, do contrário, um lado se recusará a trocar. Uma característica intrínseca da troca legítima é que duas pessoas sempre saem dela mais satisfeitas do que entraram. A troca é fundamentada em valor, não em lamentos. Ela é fundamentada em respeito, não em intimidação. As únicas limitações à troca são práticas. Se você quer trocar pão pelo peixe de seu vizinho, não haverá problemas. No entanto, se você quiser trocar computadores avançados alemães por serviços de telefonia do Vietnã, isso não será nada fácil de trocar...

O que seria o dinheiro, nesse contexto? De que vale um punhado de papel velho, cortado em tiras e escrito na frente e no verso? Concretamente o dinheiro não vale nada. Quanto vale uma pilha de jornais usados? Nada. O mesmo ocorreria com o dinheiro. Ele não pode ser comido, nem bebido, nem satisfaz qualquer outra necessidade humana.

O dinheiro só tem valor por intermédio da confiança que se deposita nele. Em uma nação com confiança, as pessoas acreditam que pessoas produtivas aceitarão o seu dinheiro e entregarão em troca dele o melhor de seu trabalho e inteligência. O dinheiro é um direito que se obtém, por meio da criação de valor, sobre o valor dos outros. O dinheiro só tem valor quando pessoas produtivas dão a ele significado e endosso. O dinheiro é a forma de viabilizarem-se trocas.

Em uma nação com confiança, todos sabem o valor do dinheiro e o respeitam. O dinheiro vale exatamente o mesmo que a produção de bens reais sobre a qual o dinheiro se apóia. As pessoas sabem disso e o governo sabe disso. Sabem que não podem gastar mais do que arrecadam, pois estarão apenas gerando inflação e destruindo o valor do dinheiro.

Se a primeira forma de se obter bens é a troca, a segunda forma é a violência. Só se pode receber algo de alguém ou pela troca ou pela extorsão. Não existe nenhum outro meio. Usando-se violência, pode-se saquear em um minuto a riqueza acumulada durante toda uma vida. Às vezes a violência é praticada pelo bandido da esquina, às vezes por quadrilhas organizadas e às vezes pelo Estado, tomando bens que não lhe pertencem para suprir suas necessidades infinitas. Ao longo da história humana, a violência sempre foi a forma mais comum de se obter bens. Conquistadores, reis, imperadores e outros utilizaram-se da violência para se apropriar da riqueza de quem estava inven- tando e trabalhando. No entanto, a violência só consegue tomar, nunca consegue produzir. Nenhuma violência no mundo, aplicada sobre milhares de pessoas ignorantes, seria capaz de fazê-los produzir um simples pedaço de pão caso não saibam fazê-lo.

Mais recentemente, ao caminhar na direção da democracia liberal, a humanidade finalmente passou a dar à troca seu devido valor e criou modelos de nação em que as pessoas se submetem à lei e os direitos individuais estão no topo das prioridades. Pela primeira vez, em alguns países, o incentivo maior às pessoas foi para a criação e para a troca, não para a conquista violenta da riqueza alheia. O resultado foi uma criação de riqueza sem precedentes na história humana. A enorme riqueza que o nosso mundo moderno gerou, essa riqueza que, nos países desenvolvidos, praticamente eliminou a mortalidade infantil, permitiu às pessoas viverem quase um século e fez com que as famílias tivessem fartura digna de realeza, só foi possível em virtude da troca e de seu mensageiro, o dinheiro.

Este livro é dedicado ao dinheiro, símbolo da criatividade humana. Símbolo da vontade de homens e mulheres de melhorar de vida. A criação humana mais sublime e, ao mesmo tempo, mais demonizada.


PREFÁCIO

Aldous Huxley em “O admirável mundo novo” já descreveu o Estado onipotente onde até os óvulos femininos eram propriedade do Estado e os fetos, gerados em provetas e desenvolvidos em incubadoras, eram depois “amestrados”, segundo suas particulares biológicas, para exercerem as mais variadas atividades: desde garis a cientistas. George Orwell, em “1984" expôs o Estado do ”big brother" onde cada cômodo de cada residência era devassado por uma câmara digital até que o herói da história foi flagrado, em pleno bosque, em ação “anti-social”, por uma câmara oculta em frondosa árvore. Kafka, em “O Processo”, relata outro Estado discricionário onde o acusado era interrogado sobre coisas e atos que ele absolutamente ignora e nem sabia do que o acusavam. A arte imita a vida, ou vice-versa!

O Estado imaginado em “Carregando o elefante" é a antítese de tudo isto.

O indivíduo, mesmo sem condições, é desafiado a andar com as próprias pernas. Talvez, sem muletas, as potencialidades passam aflorar e as estatais inviáveis desapareçam sem causar maiores danos, simplesmente, O que é certo é que os Estados imiscuidores e onipotentes nunca tiveram êxito. Nem na ficção nem na realidade. O modelo de gestão da coisa pública ali sugerido está fadado a provocar acalorados debates pois o que ali se propõe é um desmonte significativo do arcabouço do Estado o que tem conseqüências positivas e negativas.



Antonio Ermírio de Moraes

Presidente do Conselho de Administração do
Grupo Votorantim



Teu Brasil

Como seria o País de seus sonhos? Como seria o Brasil caso você de repente desenvolvesse o poder de mudá-lo a seu bel prazer? Você preferiria que houvesse educação de graça para todos ou cada um deveria poupar para pagar a escola que quiser? Você pagaria mais impostos para o Estado cuidar dos pobres ou pagaria menos, para gerar empregos? Você preferiria ter aposentadoria obrigatória ou arcaria com suas próprias decisões durante a juventude, poupando quanto você quisesse se você quisesse? A polícia seria mais dura com o crime e correria o risco de avançar sobre algumas liberdades individuais? Mais igualdade ou mais liberdade?

Cada povo deve fazer esses questionamentos e decidir como construirá seu futuro. Diferentes respostas para as perguntas acima fizeram surgir diferentes modelos de nação, alguns implantados com mais sucesso e outros com menos. Nós, autores desse texto, fizemos o mesmo e criamos a nossa própria visão do que seria o Brasil ideal para nós. Algumas das idéias aqui expostas são bastante inovadoras, outras fazem parte do dia-a-dia das sociedades dos países que chamamos de desenvolvidos. Para muita gente, este texto parecerá um tanto radical, outros acharão que as propostas aqui contidas são meras fantasias impraticáveis.

No entanto, o que podemos garantir é que as análises aqui realizadas são honestas e coerentes com os nossos princípios. Garantimos também que estamos oferecendo uma visão bastante concreta para o País. Não somos ligados a nenhum partido ou movimento político; não temos receio de pisar nos calos de ninguém. Tampouco pretendemos deixar o leitor ao final do texto com uma coletânea de chavões sem utilidade. Nossa única ideologia é o que a nossainteligência e o nosso bom senso nos dizem ser o certo. Concordando ou não o leitor com a nossa forma de ver o Mundo, esperamos pelo menos que as idéias aqui colocadas provoquem a sua reflexão sobre o assunto.


Impostos suecos e serviços públicos nigerianos

Pouca gente em sã consciência diria que a situação atual do Brasil é perfeita. Alunos das escolas públicas estudam com professores semi-analfabetos, tirando as piores notas de Matemática do mundo. Hospitais apodrecem sem dinheiro nem médicos, enquanto filas de doentes esperam do lado de fora, alguns morrendo e outros voltando para casa sem atendimento. Aposentados da iniciativa privada recebem uma pensão que não compra nem um cafezinho por refeição, enquanto alguns juízes aposentados recebem fortunas maiores que a renda de um presidente de multinacional. Nas ruas, a população sobrevive apavorada vinte e quatro horas por dia porque os bandidos contam com a impunidade que reina no País e com o despreparo da polícia. As estradas em frangalhos, aeroportos em estado caótico, a justiça que leva uma década para julgar uma disputa comercial, enfim, serviços públicos que não fazem jus a esse nome.

Na outra ponta dessa equação está o leão tributário mais voraz do planeta. Um governo que devora uma das proporções mais altas da riqueza do País que já se viu. Esses recursos todos são cobrados por meio de dezenas de tipos de impostos, taxas e contribuições. As regras mudam tão rápido e a cobrança é tão complicada que ninguém sabe realmente se está agindo de acordo com a lei ou não. O que quer que a pessoa faça, ela sempre estará infringindo alguma minúcia da extensa e contraditória legislação, abrindo espaço para os vendedores de facilidades. É uma montanha de dinheiro saqueada das empresas e dos trabalhadores e que, após trafegar pelas esquinas da corrupção, transforma-se em... absolutamente nada. Os desvios são tão grandes que, apesar de o Estado saquear tanta riqueza e não entregar quase nada em troca, a dívida continua crescendo, ou seja, o problema só tende a acentuar-se. Assoladas por impostos pesados, juros estratosféricos e regras que mudam do dia para a noite, as empresas brasileiras acabam ficando com altos custos, tornando os produtos e serviços muito mais caros e o desemprego muito maior. Ou seja, uma pessoa comum que trabalha com carteira assinada entrega um terço do seu salário diretamente ao governo, sob a forma de impostos diretos. Outro terço vai embora em forma de impostos sobre os produtos que ele compra, como arroz ou TV. O restante ele gasta com serviços privados, os mesmos que o governo deveria entregar gratuitamente a ele em troca dos dois terços do seu dinheiro que foram previamente saqueados.

É esse o Brasil dos seus sonhos?


Saindo da esteira

Assim como numa esteira de corrida, na qual se gasta tempo e energia sem sair do lugar, escapar desse círculo vicioso não é fácil, mas tampouco é impossível. Caso o Brasil queira realmente sair da armadilha em que se meteu, precisa mudar profundamente. Mas se conseguirmos fazer o que é preciso, as vantagens serão enormes.

Imagine o potencial de um país com um clima igual ao nosso, onde os produtos agrícolas crescem duas vezes mais rapidamente do que no hemisfério norte. Um lugar com belezas naturais incontestáveis e infindável potencial turístico. Um país em que o povo é alegre e criativo, com uma cultura aberta e calorosa. Um lugar cuja última guerra ocorreu há um século e meio atrás e onde as grandes catásfrofes naturais são conhecidas apenas pelas fotos de jornais. Uma mudança profunda na direção certa, mental e estrutural, pode levar o Brasil a um verdadeiro círculo virtuoso. Estamos falando de um país de crescimento econômico rápido, de melhoria de indicadores sociais, de uma educação que nos impulsione à frente de qualquer outro lugar. De um Brasil onde as regras do jogo estão claras e as oportunidades são imensas para qualquer um atingir o máximo que a sua própria capacidade permitir.

Esse país pode ser daqui a vinte anos o melhor lugar do planeta para se viver. É querer demais?


Nós, autores deste texto, achamos que não. Esse é o Brasil dos noss
os sonhos.




O público na privada

O papel do Estado

As coisas quase sempre andam pior numa instituição pública do que numa privada basicamente por quatro motivos: pouca competição, garantia de perpetuação, pouco foco no resultado e baixo nível de controle dos processos. Esses motivos serão analisados a seguir:

COMPETIÇÃO: A competição é o principal fator de evolução das empresas. Em uma sociedade livre, as companhias lutam entre si para conquistar e manter seus clientes. Isso só pode ser feito por meio de investimentos em melhor qualidade dos processos, dos produtos, das pessoas, o que leva à redução de custos e possibilita à empresa oferecer produtos com menores preços tornando-a mais competitiva. Nessa corrida, a sociedade ganha como um todo, já que a economia agita-se gerando resultados efetivos, como laboratórios criando mais remédios, empresas de construção civil erguendo cada vez mais edifícios de modo cada vez mais eficiente e barato. Tudo para ganhar mais mercado, pois se uma empresa ficar parada, será engolida por suas concorrentes. Nessa luta, só há uma vencedora: a sociedade, que recebe os frutos de toda essa evolução. Para se atingir esse círculo virtuoso só é necessário que existam regras claras e liberdade para competir.

No caso das atividades públicas, muitas vezes existe um monopólio controlando o setor, ou seja, não há competidores. Prestando bom ou mau serviço, a população é obrigada a usar os serviços públicos, por falta de opções. Se você precisa, por exemplo, tirar um passaporte, é obrigado a usar a mesma repartição pública, quer lhe atenda em cinco minutos ou em cinco horas. Não é possível escolher uma outra opção, como uma empresa privada, para obter esse documento.

Se tal escolha fosse possível, uma empresa privada rapidamente perderia os clientes se os fizessem esperar cinco horas por um documento. Certamente essa empresa iria à falência, na medida em que seus clientes (os cidadãos) teriam outras opções e, com certeza, passariam a escolher companhias mais ágeis.

GARANTIA DE SOBREVIVÊNCIA: Empresas públicas não vão à falência. Mesmo que os serviços sejam péssimos, mesmo que haja competição com empresas da iniciativa privada (como o setor petroquímico — petróleo) e as estatais sofram prejuízos atrás de prejuízos, ainda assim a empresa pública pode contar com o socorro do Estado para tapar os rombos e manter a atividade. Efeito disso é a redução cada vez maior da presença do espírito de melhoria e do senso de urgência de mudança. A sensação de imortalidade reforça a baixa qualidade e a ineficiência dos órgãos públicos. Essa sensação estende-se aos funcionários públicos que lá trabalham, uma vez que a Constituição os protege contra a demissão. Enquanto nos Estados Unidos ou na Inglaterra, por exemplo, os servidores públicos podem ser demitidos a qualquer momento caso apresentem baixo desempenho, no Brasil eles não têm esse risco.

MERITOCRACIA: Em qualquer empresa existem bons e maus funcionários. Nas empresas privadas tudo ocorre de forma bastante simples. Geralmente os bons, que se dedicam mais e trabalham melhor, são promovidos quando surgem as oportunidades. Isso funciona como estímulo para todos, eles sabem que se forem dedicados, chegarem no horário, realizarem seu trabalho direito, terão mais chances de serem reconhecidos por seu mérito e, assim, serem promovidos.

Já nos órgãos públicos, a situação é diferente. Uma infinidade de regras rígidas define as promoções, baseando-se em fatores como tempo de serviço e realização de cursos. Pouco valor se dá à competência e à dedicação, uma vez que esses são fatores subjetivos e que, portanto, não podem ser levados em conta dentro das regras de impessoalidade dos órgãos públicos. Além disso, não há um dono, em muitos casos o presidente da empresa está lá não porque galgou ao cargo, mas porque foi nomeado, porque é próximo ao político que está no poder. O mesmo ocorre com os cargos de confiança à sua volta. Ele próprio nomeia amigos, parentes, pessoas para as quais deve favores, ou das quais já projeta receber favores no futuro. O Brasil possui atualmente 25 mil “cargos de confiança”, ou seja, posições de trabalho preenchidas por mera indicação política. Na Inglaterra existem apenas cem. Se essas pessoas forem incompetentes, não tem problema, a população cobrirá sua ineficiência, pois continuará usando os serviços prestados por não dispor de alternativas. Num ambiente onde o corporativismo vale mais que o mérito, em que o parentesco vale mais que a competência e onde as regras rígidas de promoção valem mais do que a capacidade, qual o estímulo existente para todos os outros funcionários? Para que irão dedicar-se, se isso não fará muita diferença em seus salários e seus cargos no futuro? Pior: quanto melhor desempenharem suas funções, mais os políticos incompetentes que foram nomeados se beneficiarão do seu trabalho, justificando que permaneçam por mais tempo no topo das empresas. Assim, é muito mais difícil que um funcionário público produza para a sociedade o mesmo que um trabalhador da iniciativa privada.

CORRUPÇÃO: Além da falta de competição, da despreocupação em introduzir inovações para sobreviver e da cultura de valorização dos colaboradores pelo apadrinhamento e não pela competência dos órgãos públicos, há ainda outro agravante que os tornam um perigo para a sociedade:o enorme potencial para roubo e desonestidade. Nas empresas privadas, existem duas partes que podem roubar: o dono ou os funcionários. Imaginar o dono roubando, com raras exceções, não faz sentido, pois ele estaria tirando algo que já lhe pertence. Além disso, ele dedica boa parte de sua energia para que os funcionários não roubem sua empresa. Mesmo no caso de grandes corporações, os acionistas costumam ter um conselho vigilante para impedir fraudes e desvios por parte dos executivos. Claro que existem casos, como Enron e WorldCom, empresas americanas que foram à falência por causa de desvios. Mas esses exemplos tornaram-se notórios justamente por serem exceções, na medida em que o sistema costuma manter um rígido controle sobre as corporações. Nos órgãos públicos a situação é bem pior. Caso o presidente seja desonesto, ele pode desviar recursos da empresa para seu patrimônio pessoal e, não sendo pego, terá ganhos nada modestos com isso. Mesmo sendo honesto, ainda restam todos os outros funcionários, dentre os quais encontra-se uma parcela disposta a roubar. O presidente tem muito menor estímulo para vigiá-los, pois caso desviem recursos da empresa, esses prejuízos não serão seus e sim da sociedade como um todo. Isso faz com que, de modo geral, as empresas públicas sejam muito mais corruptas do que as privadas.

Pagando a conta

Como vimos, a baixa competitividade do setor público, a despreocupação com a sobrevivência, o desestímulo à cultura da premiação com base em mérito e desempenho individual e a corrupção que imperam no setor público fazem com que o nível dos serviços oferecidos pelo estado seja inaceitável. O problema não seria tão grande se os brasileiros tivessem, hipoteticamente, custo zero com o governo.

Se um marciano descesse à Terra todos os meses e pagasse as contas do governo brasileiro, a situação não seria tão ruim, uma vez que, nesse caso fantasioso, o governo nada entregaria, porém nada custaria também. Se este fosse o caso e a economia não estivesse sendo prejudicada, o problema seria muito menor. As pessoas iriam simplesmente ignorar o poder público, pagar seus hospitais, escolas, transportes e seguranças particulares, utilizando, para isso, a totalidade da riqueza que nessa hipótese, cada um conseguiu produzir.

No entanto, obviamente sabemos que isso não é realidade. Essa máquina pública está sendo financiada pelo do saque da maior parte dos recursos do País.

O setor público absorveu, nos últimos 15 anos, 66,8%da riqueza produzida pelo País. Estudo recente desenvolvido pelo professor Renato Fragelli, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apresenta estimativas que demonstram que o setor público brasileiro ficou com dois terços de todo o aumento de produção de 1991 até 2006, enquanto o setor privado ficou com apenas 33,2%.

O mesmo estudo demonstrou que enquanto o produto interno bruto (PIB) brasileiro nesse período avançou 44,7%, a carga tributária sobre essa porcentagem ampliou-se de 24,4% para 37,5%. Com exceção de Itália e França, duas nações com excelente histórico de serviços públicos, nenhum outro país no mundo cobra tantos impostos.

Todo esse avanço demonstra um fôlego sem tamanho de absorção dos recursos da sociedade. É dinheiro arrancado de quem produz e que faz enorme falta na hora de investir, produzir mais, gerar empregos e competir internacionalmente. O Brasil hoje possui uma das mais altas cargas tributárias do planeta, como demonstrou-se acima — pelo estudo de Franglli —, e ela só vem se ampliando.

Além da cobrança de tributos, a sensação que se tem ao observar o sistema legal brasileiro é de que todas as regras estão voltadas para atrapalhar aqueles que geram riqueza e para favorecer aqueles que vivem de saquear a riqueza alheia. Mais adiante veremos como o sistema previdenciário, a legislação penal, a legislação trabalhista e praticamente todas as demais manifestações do Estado têm sistematicamente punido os que produzem e protegido os demais.

Esse sistema suicida traz como resultado uma economia fraca, aumento do desemprego, da pobreza e enorme desperdício das oportunidades existentes para o País.

Resolver esse problema é o maior desafio do Brasil.

Drenando o pântano

Se tivermos de definir qual é o maior problema atual do Brasil este seria certamente o excesso de Estado (sendo a impunidade o segundo). Hoje o Estado brasileiro tornou-se tão obeso e ineficiente, que qualquer tentativa de decolagem por parte do País é logo emperrada pelas centenas de pesos que o setor público amarra às pernas do Brasil. Isso nem sempre foi assim, claro. Até meados da década de 1970, o governo brasileiro teve papel fundamental na formação da então incipiente indústria nacional. Sem os investimentos estatais, dificilmente teríamos hoje a infra-estrutura de base existente, como as estradas, siderúrgicas e hidrelétricas. No entanto, essa atuação benéfica já é coisa do passado. Hoje o setor privado é extremamente dinâmico e moderno e não mais depende do Estado para crescer. De fomentador econômico, o governo tornou-se um peso morto.

À primeira vista, a ação correta a ser tomada seria aumentar a eficiência do Estado. Ora, se o governo é corrupto, vamos punir os que estão agindo errado. Se o dinheiro está sendo mal gasto, vamos dar um jeito de usá-lo corretamente. Com certeza essas ações teriam efeito benéfico. No entanto, recomendar exclusivamente esse caminho, que tem sido tentado seguidamente sem sucesso, é incorrer em boa dose de ingenuidade.


Imagine duas fazendas vizinhas, ambas situadas em região pantanosa. Como esses pântanos são infestados pelo mosquito da malária, têm causado grandes prejuízos e sofrimento aos moradores da região. Para resolver o problema, o proprietário da primeira fazenda decretou guerra total ao mosquito: organizou mutirões para caçar os ninhos dos insetos, comprou redes especiais e pulverizou toneladas de inseticida sobre a área afetada. Após anos de esforço, enormes gastos e alguns pequenos sucessos iniciais, as tentativas foram interrompidas ao se constatar que os mosquitos voltavam a se multiplicar.

Observando de longe todo esse acontecimento, o segundo fazendeiro tomou uma decisão simples que, de forma muitas vezes mais barata, conseguiu eliminar completamente o problema: drenar o pântano. Uma vez privado do seu habitat natural, o mosquito da malária teve de ir embora ou acabou morrendo.

Esse exemplo também pode ser usado para analisar a situação do Brasil. O governo é como um imenso pântano sobre o qual não temos mais controle. Nesse território vivem os mosquitos da corrupção, da ineficiência e do descaso. Nenhuma arma é mais eficiente nesse momento do que o dreno.


Desconstrução

No caso do Brasil, esse dreno seria a desconstrução do Estado. É preciso iniciar um processo profundo de eliminação do Estado em todas as atividades que hoje ele faz mas que poderiam ser repassadas à iniciativa privada. Se esse processo for bem-feito, o Brasil estará na prática drenando o pântano atual, reduzindo o espaço para o desperdício e para a corrupção e substituindo a ação ineficiente governamental pela competição inerente ao setor privado.

Um projeto como esse não deve ser feito, obviamente, da noite para o dia. Acelerar tais ações além do que a realidade atual aceita implicaria certamente caos social e econômico. A desconstrução do Estado deve ser feita de forma gradual e planejada, ao longo de muitos anos. É preciso concentrar a atenção nas atividades públicas mais fáceis de serem eliminadas, como as empresas estatais remanescentes, por exemplo, e deixar os serviços básicos essenciais para depois. O período de 10 a 15 anos, para se realizar a mudança completa, é o prazo mais otimista a que se pode chegar. Tampouco deve esse projeto ser estendido a toda e qualquer atividade pública. Não faz sentido falar em privatização da polícia, por exemplo. Essa é uma atividade intrínseca do poder público.

Os frutos

À medida que o Estado seria desconstruído, dentro de prazos e condições razoáveis, as contrapartidas seriam as reduções de impostos e o afrouxamento do laço que hoje sufoca a geração de riqueza no País. A cada atividade pública privatizada (ou em alguns casos extinta), a contrapartida seria a eliminação de alguma taxa, imposto, contribuição ou regulamentação que hoje atrapalham a geração de riqueza.

Quando um imposto é reduzido ou eliminado, cai o custo das empresas. Num sistema de competição, os preços caem e as pessoas passam a comprar mais, aumentando as vendas e gerando emprego. Isso forma um círculo virtuoso, em que mais emprego gera mais consumo e, as empresas, tendo sua riqueza liberada para investir (em vez de financiar o governo) conseguem acompanhar a demanda aumentando sua produção.

Se esse modelo for seguido com responsabilidade a longo prazo, sendo mantido de governo a governo e sem aventuras populistas pelo caminho, um longo período de crescimento estará à espera do Brasil. Um período de taxas sólidas de crescimento sustentável, acerto de contas públicas, mais estabilidade e confiança das pessoas que investem.

Parece ingênuo e sonhador? Esse resultado benéfico que mencionamos não é nada além do que já está ocorrendo hoje em países que seguiram essa linha econômica, como Chile e Irlanda. Este último país, por exemplo, era um dos mais pobres da Europa há 20 anos. Após profundas reformas econômicas, redução do tamanho do Estado e dos impostos, é a economia que mais cresce no velho continente e está rapidamente se tornando uma das mais ricas. Apesar de a população do país estar estagnada, o que normalmente dificulta o crescimento, a Irlanda tem apresentado índice de expansão econômica acima de 6% ao ano, mais do que o triplo da média da Europa Ocidental. O imposto de renda na Irlanda é de apenas 15%, contra 40% nos países estagnados da Europa.

Além do que existe

Aplicar moderadamente a desconstrução do Estado é prática comum nos países que mais crescem no mundo hoje em dia. No entanto, copiar o que se faz no exterior não é suficiente. É possível ir muito além do que já se fez em qualquer lugar, bastando para isso realizar a desconstrução e depois a reconstrução nos moldes que serão citados adiante. A partir desse ponto, vamos considerar que o leitor ou aceitou a idéia de que diminuir o estado brasileiro é bom ou então pelo menos está se sentindo intrigado sobre o assunto. As reformas podem ser muito mais profundas do que já se fez em qualquer lugar do mundo. No entanto, existe um preço a ser pago por isso e é preciso que tenhamos consciência desse preço.

Peguemos, por exemplo, a história de duas cidades importantes, ligadas por uma estrada. Em determinado trecho, um largo e volumoso rio cortava a estrada. Lá, para completar a ligação de comércio, uma série de barcos de transporte de carga transitavam de uma margem à outra. Além dos barqueiros e sua tripulação, empresas de manutenção de embarcações, vendedores de combustível naval e uma infinidade de barracas de comércio vendiam artigos diversos para os viajantes que precisavam ir de um lado ao outro do rio. O transporte era lento, caro e sujeito aos caprichos e greves dos tripulantes. Muitas mercadorias eram perdidas, outras roubadas. As cargas precisavam ser desembarcadas e embarcadas diversas vezes para irem de uma cidade à outra.

Eventualmente, foi proposto que se construísse uma ponte sobre o rio. Os benefícios econômicos de tal empreitada eram óbvios, mas o projeto recebeu, desde a concepção, oposição feroz por parte das pessoas que viviam do transporte fluvial. Argumentavam que, caso a ponte fosse construída, não haveria mais sentido existir barcos na região e milhares de pessoas perderiam os empregos. Políticos se apressaram a defender o status quo e a discussão se prolongou por anos.

Finalmente, após a fase de resistência, o projeto foi aprovado e a ponte foi construída. Realmente, após ser completada, os empregos que lá existiam foram embora. No entanto, outros benefícios apareceram compensando as perdas iniciais. O custo do transporte entre as cidades ficou muito mais baixo, o que possibilitou o comércio finalmente decolar. Cada cidade passou a vender muito mais de suas especialidades à outra, aumentando a demanda e gerando novos empregos em ambas. Com a nova facilidade de transporte, muito mais gente se encorajou a viajar de um lado para o outro, gerando novos postos de gasolina no caminho e turismo nas duas cidades. Após alguns anos, praticamente todos concordavam que a vida tinha melhorado.

O preço que mencionamos é que, em toda mudança, as coisas costumam piorar antes de melhorarem. Quando se implanta soluções arrojadas como as aqui expostas, é inevitável que ocorra muito deslocamento e uma boa dose de desconforto. Sempre existem aparentes ganhadores e perdedores. Mesmo assim, quando uma proposta é boa para o coletivo, é preciso implantá-la com energia. Nesses casos, os benefícios rapidamente superam as aparentes adversidades, na medida em que as pessoas que inicialmente saíram perdendo acabam encontrando novas e melhores oportunidades.

Dito isso, e dado o tempo necessário para que as mudanças sejam implantadas, o resultado de se colocar em prática as sugestões contidas nesse livro será algo jamais visto: uma sociedade baseada na liberdade e no mérito individual. Um lugar onde as pessoas estão protegidas contra a miséria por uma rede invisível básica e, ao mesmo tempo, as pessoas estão com o caminho desimpedido para alcançar o máximo que a capacidade permitir. Um sistema em que o talento individual não está amarrado por ninguém e em que todos os incentivos são a favor da realização, não contra. É um País com o qual vale a pena sonhar.

De elefante para pomba

Um Estado eficiente deve fazer quatro coisas apenas, nada mais nada menos:

1. Garantir as liberdades individuais

2. Manter a ordem

3. Proteger as pessoas contra a miséria absoluta

4. Garantir que as crianças estudem

O ideal é que todo governo cumpra as funções que lhe cabem da forma mais eficiente possível, pois quanto maior for tamanho do Estado, mais ele atrapalhará a vida das pessoas. Assim, todas as ações de desconstrução devem seguir o princípio de diminuir ao máximo o tamanho do Estado, preservando as funções essenciais que garantam o cumprimento das atividades citadas acima. Mas mesmo para essas atividades, deve-se manter o princípio de governo pequeno. No caso da proteção às pessoas contra miséria absoluta, por exemplo, proteção das pessoas contra miséria absoluta, o ideal é passar o máximo dessa tarefa para organizações não governamentais e entidades e deixar para o governo apenas os casos emergenciais.

Segue abaixo uma breve descrição de cada uma das quatro atividades públicas essenciais:

Garantir as liberdades individuais

A partir do Iluminismo, a maior parte da civilização ocidental aderiu às chamadas liberdades essenciais. Elas correspondem à idéia de que cada pessoa nasce com certos direitos inalienáveis e que ninguém, nem o governante mais poderoso, tem direito de interferir nelas. A liberdade de cada cidadão deve ser sempre a maior possível, desde que ela não interfira na liberdade de outras pessoas. Uma dessas liberdades é a econômica, o direito de uma pessoa perseguir prosperidade e riqueza. Qualquer um tem o direito de enriquecer até o limite de sua capacidade individual, as pessoas mais competentes e trabalhadoras têm o direito de ficarem mais ricas do que as incompetentes e preguiçosas. Não há nada de errado com o fato de alguém ficar rico, desde que isso não tenha sido conseguido desonestamente ou à custa das liberdades dos demais.

A cultura brasileira, fortemente influenciada por valores católicos e sustentada ainda por uma cultura de povo conquistado, com resquícios da escravidão,além da influência de um segmento da intelectualidade de esquerda, tem tradicionalmente visto com desconfiança o ato de enriquecer. Por alguma lógica perversa, assume-se que aqueles que enriquecem no Brasil o fazem ou por trapaça ou explorando os pobres.

É muito comum algumas pessoas ricas terem vergonha de seu patrimônio. Esse traço da nossa cultura é uma das causas da situação atual do Brasil. Em vez de se preocuparem em acabar com os ricos, certos intelectuais deviam estar se preocupando em acabar com os miseráveis. Uma mudança de pensamento nesse sentido seria bastante desejável. É preciso que a sociedade brasileira comece a ver positivamente a riqueza, admirando e tendo como modelo de referência aqueles que conseguiram enriquecer por mérito próprio.

Outra liberdade é o direito à livre expressão. Qualquer pessoa pode dizer o que quiser a qualquer hora, sem ser importunada ou prejudicada por dizer isso. Essa liberdade, quando garantida de verdade a todos os cidadãos, é a mais poderosa arma contra a tirania. No momento em que a liberdade de expressão é ameaçada, seja por violência física seja por pressão financeira, começam a ruir as estruturas democráticas do País. As duas únicas exceções a esse princípio são a incitação direta à violência e a difamação. Um líder religioso não pode, por exemplo, convencer os fiéis a se explodirem em um ponto de ônibus, matando pessoas inocentes e depois esse líder se refugiar na liberdade de expressão para escapar do processo criminal. Tampouco pode uma pessoa espalhar boatos maldosos sobre um banco, levá-lo à falência e alegar a mesma defesa. Exceto nesses dois casos e em situações semelhantes, qualquer opinião deve estar livre para ser defendida, por mais politicamente incorreta que ela possa soar.

A liberdade de ir e vir é também, um princípio fundamental da civilização contemporânea. Ninguém pode ser mantido em lugar algum à força. Isso inclui o direito de emigrar ou de transitar livremente nos locais públicos. O mesmo ocorre com outras liberdades importantes, como a liberdade religiosa e de consciência. Ou seja, o primeiro e mais importante papel do Estado é garantir que todos os cidadãos possam gozar das liberdades fundamentais. Para isso ele se utiliza de leis e dos órgãos estatais. É uma pena que muitas vezes ocorre o inverso, quando o Estado utiliza seu poder físico e financeiro para suprimir as liberdades.

Manter a ordem

A segunda atribuição do Estado: manter a ordem e a segurança pública. Quando há pânico coletivo, catástrofe natural, guerra ou qualquer outra condição emergencial, normalmente nenhuma força privada é capaz de controlar a situação. Para cuidar desses casos, os cidadãos de um País escolhem prover o Estado de alguns recursos básicos para solucionar os problemas. Setores como exército, polícia e bombeiros são os responsáveis para enfrentar essas situações. A única violência legítima dentro de um País é a violência praticada pelo Estado nas horas de emergência, dentro dos termos da lei. Se uma onda de crimes ataca uma determinada cidade, por exemplo, a polícia tem direito de usar violência para suprimi-la. Numa situação ideal, a polícia usa violência apenas em casos excepcionais quando a ordem pública ou as liberdades estão sendo ameaçadas. Na realidade, muitas polícias são corruptas e extremamente violentas, sendo às vezes mais temidas do que os próprios bandidos.

Proteger as pessoas contra miséria absoluta

Um sistema deve permitir às pessoas ficarem muito ricas, mas deve também oferecer uma rede mínima de proteção social contra a miséria. O objetivo da proteção social é evitar que as diferenças sociais que historicamente ocorrem no Brasil impeçam as pessoas de entrar num ciclo de produção. Uma pessoa que não tem como comer, ou não tem acesso à educação básica não terá condições de explorar todo seu potencial criativo e passará o resto da vida sem criar valor. Assim, um governo deve garantir que todos tenham suas necessidades básicas preenchidas para que possam ter condições de competir e crescer no mercado. Além disso, é imoral haver alguém passando fome ao lado de outro comendo caviar. Por fim, a desigualdade social é um forte fator de desestabilização e desagregação social e ela deve ser aliviada sempre que possível.

Cada país deve decidir que nível de proteção social ele vai oferecer à população. Em alguns países europeus, por exemplo, os benefícios concedidos aos desprivilegiados são tão grandes que eles funcionam na prática como um desestimulador ao trabalho. Um alemão que perde o emprego, por exemplo, passa a receber 70% de seu último salário durante um ano sem fazer nada. Com as pessoas saindo do mercado e dependendo cada vez mais de gordos benefícios do governo, os sistemas europeus estão cada vez mais sobrecarregados e sofrem risco de colapso.

Na outra ponta do problema estão alguns países africanos, que não têm nenhuma rede de proteção. Se alguém ficar paralítico, por exemplo, é obrigado a contar com a família ou morrer de fome. No Brasil a Constituição oferece amplos benefícios. Em tese, as pessoas têm saúde e educação gratuitas, além de previdência social, seguro desemprego e outros. Na prática, como vimos nos capítulos anteriores, a rede de serviços sociais acaba sendo de péssima qualidade ou inexistente.

O ideal é que essa rede de proteção social se utilize amplamente das organizações não-governamentais e dependa o mínimo possível dos recursos públicos. Somente nos casos não cobertos pelas instituições não-governamentais, em que a pessoa realmente não tenha a mínima condição de subsistência, aí, sim, o governo deveria ser o provedor da ajuda. Mesmo assim, essa ajuda deveria ser feita de forma que estimule a pessoa ajudada a sair dessa situação o mais rápido possível e não continuar dependendo dela indefinidamente. Essa ajuda deve ser no sentido de “ensinar a pessoa a pescar” e não receber os peixes pelo resto da vida. Ou seja, deve estar voltada sempre à capacitação do indivíduo e não ao assistencialismo. Além disso, os serviços devem ser prestados pela iniciativa privada, nunca executados pelo próprio governo. Falaremos desse assunto com mais detalhes adiante.

Garantir que as crianças estudem


Em tese, pais e mães costumam querer o melhor para seus filhos e procuram proporcionar a melhor educação possível. Na realidade, quando se leva em conta os diversos fatores desagregadores das famílias, como álcool, drogas, problemas financeiros e pouco preparo dos pais, isso nem sempre é verdade. Em muitos casos, os pais não querem ou não têm condições de garantir que seus filhos estudem. Quando isso ocorre, eles estão na prática destruindo um dos princípios mais importantes de qualquer democracia, que é a igualdade de oportunidades. Ao tomar a decisão de não colocar os filhos na escola, mais do que uma opção individual, os pais estão destruindo o futuro de seus filhos. Além disso, como sabemos, a educação é elemento chave de competitividade das sociedades modernas, que demandam mão-de-obra cada vez mais qualificada. Pelos motivos aqui expostos, acreditamos que a decisão de mandar uma criança estudar ou não independe da vontade dos pais. É tarefa do Estado garantir que todas as crianças em idade escolar tenham acesso à educação básica. Nem é necessário afirmar que essa educação deve ser da melhor qualidade que for possível obter.

Ao executar as quatro atividades básicas citadas acima, defesa das liberdades, manutenção da ordem pública, proteção social contra a miséria e garantia de educação, é recomendável que todas as demais atividades públicas sejam desmanteladas.

No Brasil, a Constituição de 1988 foi muito além das atividades básicas e designou ao Estado uma infinidade de tarefas. A revisão constitucional de 1988 prevê em seus quatro princípios fundamentais que o Estado é responsável por manter a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Em seguida, a nova versão da Constituição ampliou-se de tal forma que de lá para cá se exigiu a incorporação de quase cem novas emendas. Ela foi elaborada com tal complexidade que possibilita interpretações dúbias por meio de seus mais de 980 itens e 90 artigos, quando comparada à Constituição dos Estados Unidos, com não mais de 7 artigos e 30 emendas, conseguimos imaginar a forma que tomou a lei que rege as ações do governo brasileiro. Todas as ações, controle social, econômico, financeiro e do próprio desenvolvimento do país ficou a cargo do Estado. Além de não dizer claramente de onde deveriam vir os recursos para assumir tão hercúlea tarefa, a Constituição detalhou tão extensamente tudo que o Governo deveria fazer que o Brasil ficou engessado. Temos hoje um paraíso previsto no papel e um inferno na realidade. A Constituição atual brasileira deve ser jogada na lata de lixo. Deve-se escrever uma nova, com uma ou duas páginas de extensão, fáceis para qualquer brasileiro memorizar, descrevendo as quatro atividades básicas aqui citadas. Quaisquer outros assuntos devem ser tratados como leis ordinárias e não como questões constitucionais. Além disso, os assuntos devem ser descritos de forma ampla, deixando a interpretação detalhada a cargo do poder judiciário.

Nos capítulos a seguir, descreveremos brevemente como seria estruturado um governo focado nas quatro atividades básicas e como isso impactaria no dia-a-dia do Brasil.


Como escolher?




O princípio das eleições livres

Existem diversos elementos políticos que caracterizam uma democracia, tais como o respeito aos direitos individuais, o império da lei e a tolerância às minorias. No entanto, se tivermos de buscar um elemento básico que difere os regimes democráticos dos regimes autoritários esse elemento certamente será a prática de eleições livres. Realmente, nos lugares onde o poder político é disputado por meio de eleições livres existe democracia. Nos lugares onde isso não acontece, ou porque não há eleições (como na Coréia do Norte) ou porque as eleições são teatros de cartas marcadas onde presidentes são reeleitos ad eternum com mais de 95% dos votos (como no Egito), então não há democracia. A grande questão que deve ser resolvida numa democracia é a qualidade da escolha. Quando o conselho de administração de uma grande empresa escolhe seu presidente, por exemplo, trata-se de uma decisão altamente qualificada, realizada por pessoas com anos de preparo (os conselheiros) e que conhecem muito bem os candidatos, ou pessoalmente ou porque analisaram profundamente a carreira de cada um. No caso das eleições como as conhecemos hoje, infelizmente, isso não ocorre da mesma forma. Em primeiro lugar, o nível cultural e educacional da população é muito menor. Muita


gente faz a sua escolha política com base na entrega de pequenos presentes, como cesta básica ou Bolsa-Família. Em segundo lugar, existe uma grande distância entre o eleitorado e os candidatos. Em terceiro, uma série de preconceitos e distorções fazem com que os eleitores sistematicamente apóiem candidatos com propostas ruins para a população. Um desses preconceitos vem da dificuldade que as pessoas têm em entender que o lucro individual geralmente é bom para a sociedade, uma vez que o lucro é o motor do investimento e, portanto, crescimento.

O economista Bryan Caplan, da George Mason University School of Law, cita como exemplo as ocasiões em que o preço da gasolina sobe. Perguntadas sobre as razões de tal aumento, a maior parte das pessoas costuma apontar a ganância das empresas. Por outro lado, a quase totalidade dos economistas aponta as leis de oferta e demanda como causa; ou faltou petróleo ou aumentou o consumo ou ambos ao mesmo tempo. Claro que nem sempre os especialistas têm razão em tudo. No entanto, nesse caso, a visão do público é absurda. Se o preço da gasolina sobe porque as companhias querem mais lucros, por que, em outras ocasiões, esse preço haveria de cair? As pesquisas indicam que quanto maior o nível educacional de determinada pessoa, maior a chance da sua opinião sobre o assunto acompanhar a dos economistas. No entanto, como cada voto conta igualmente, os políticos alegremente culpam a Shell em público pelo aumento da gasolina e colhem os votos.

Outro preconceito muito comum é a idéia do “criar trabalho”. Caplan demonstra como as pessoas têm a expectativa, equivocada, de que é tarefa do governo criar empregos. Para ilustrar esse ponto, Caplan conta o caso de um economista que visitou a China da época de Mao-Tse-Tung. Ele viu centenas de trabalhadores construindo uma represa usando somente pás e perguntou: “Vocês têm um trator mecânico aqui perto. Porque não o usam?” O capataz disse que isso deixaria muita gente sem emprego. “Oh” disse o economista, “eu estava achando que vocês queriam construir uma represa. Se o que você quer são empregos, porque não dá colheres ao trabalhadores?”. No plano individual a idéia do “criar trabalho” faz sentido. Se uma pessoa perder o emprego, passará dificuldades e perderá benefícios. No entanto, quando se fala de toda uma sociedade, o que importa não é quantos empregos existem e sim a qualidade e produção total. Quanto mais produtivo for o trabalho, maior será o bem-estar geral. É bom para uma sociedade eliminar trabalhos improdutivos. O Japão feudal, por exemplo, era quase 100% agrícola e pobre. Atualmente, mesmo com um dos maiores índices de informatização e robotização do mundo, o Japão ainda possui alto nível de emprego e é uma nação muito rica. Isso ocorre porque a eliminação de empregos simples permite aumento da produtividade e geração de empregos mais complexos e melhor pagos. Como a maior parte das pessoas não entende esse fenômeno, elas tendem a votar em políticos que prometem bobagens como proibir o auto-serviço em postos de gasolina para evitar a perda de empregos, por exemplo.1 Todos esses fatores citados fazem com que a idéia de que o eleitorado naturalmente escolhe os melhores candidatos vá por água abaixo. São distorções que só podem ser corrigidas com o aumento do nível educacional, regras mais simples para eleição e uma maior divulgação dos históricos dos candidatos. Mesmo com todas essas modificações, ainda assim as dificuldades persistirão. O antigo primeiro-ministro britânico Winston Churchill observou que “a democracia é a pior forma de governo que existe, com exceção de todas as demais”. Realmente, se compararmos o modelo democrático com as demais experiências políticas dos últimos cem anos — fascismo, nazismo, comunismo e fundamentalismo islâmico — veremos que a democracia vence de longe. Ou seja, apesar das fraquezas do sistema democrático como o conhecemos, ele ainda é a melhor opção na prateleira. Isso não significa que inexistem falhas, é claro. Atualmente, o sistema eleitoral brasileiros apresenta profundas distorções cuja resolução é requisito básico para haver um sistema justo e eficiente. Sobre a eleição desses dos parlamentares, é preciso fazer algumas modificações importantes na forma como são escolhidos. Atualmente, uma grande dis torção de nosso sistema faz com que a escolha e atuação dos deputados sejam prejudicadas: geralmente um número enorme de candidatos concorre a muitas vagas por intermédio do voto de amplas massas da população. Por exemplo, no caso dos deputados estaduais de São Paulo, mais de 28 milhões de eleitores precisam escolher entre 801 candidatos para preencherem 70 vagas no Congresso Nacional. Dada a magnitude do eleitorado e do grande número de candidatos, a relação do eleitor com o deputado fica cada vez mais distante. A maioria dos brasileiros se esquece rapidamente em quem votou na eleição anterior e a cobrança do eleitorado sobre os políticos locais é praticamente nula. Na prática, isso faz com que o processo político não seja nada além de um teatro, em que a cada quatro anos toda uma classe política composta por milhares de pessoas “desça” do seu Olimpo público para se apresentar aos eleitores em dispendiosas e vagas campanhas afim de “coletar” votos, tal como se colhe milho numa plantação. Uma vez colhidos os votos, — numa eleição em que geralmente quem colar mais cartazes ganha e é logo esquecido -, tais políticos decolam novamente rumo ao seu lugar em Brasília e qualquer conexão com a vida real da população é rompida. Nesse contexto, o ponto-chave para a vitória política dificilmente está ancorado nas realizações do político, em suas idéias ou na competência. Ganha quem estiver presente nas propagandas, nos jingles da rádio e nos postes espalhados por todo um Estado, e isso tudo custa muito dinheiro, milhares de vezes mais do que o futuro salário a ser auferido pelo deputado em questão. Como esse pessoal todo precisa de dinheiro para se eleger, está montado o cenário para uma incestuosa relação com interesses econômicos privados. Os alicerces dos futuros escândalos de corrupção na maior parte das vezes são colocados durante o período eleitoral. Nas eleições maranhenses de 2006, por exemplo, mais de um terço das verbas vieram de empreiteiras. Por que, nos perguntamos, as empreiteiras têm tanto interesse em política nesse Estado? Duas ações devem ser tomadas para resolver esse problema. A primeira é reduzir drasticamente o tamanho da área dentro da qual o deputado fará campanha. Em vez de concorrer em todo o Estado de Minas Gerais, por exemplo, cada um dos cem deputados remanescentes (lembremos que a proposta aqui é reduzir o tamanho do Congresso Nacional, como falaremos adiante) deverá disputar seu cargo numa área correspondente a um centésimo do Brasil, ou seja, cerca de dois milhões de pessoas. Em vez do político em questão precisar ser conhecido superficialmente por, digamos, 30 milhões de paulistas, e disputar uma das 70 vagas com mais 800 candidatos, ele precisará ser profundamente conhecido por, digamos, dois milhões de habitantes do Vale do Paraíba. Lá, haverá apenas um candidato por partido disputando uma única vaga. Isso aumentará o grau de controle e proximidade com a base eleitoral e tornará o processo eleitoral tão compreensível como a escolha do prefeito. Nesse cenário, a cada cinco ou seis municípios em média (conforme veremos adiante), haverá um cargo de deputado disponível. Tal político concentrará a sua campanha nesses cinco ou seis Municípios e será mais fácil controlá-lo. Esse sistema proposto é conhecido mundo afora como sistema de voto distrital e existe em países como Alemanha, Itália e Reino Unido. Seus principais benefícios são aumentar a proximidade do político com o eleitor e reduzir o custo de campanha. A segunda recomendação seria limitar fortemente o financiamento de campanhas eleitorais. É preciso estabelecer um valor razoável padrão, com o qual seja possível um político divulgar suas idéias e ser notado. Essa verba deve vir do governo e ser distribuída conforme a representatividade de cada partido, sendo vedado ao candidato gastar qualquer quantia adicional. Ou seja, partidos grandes receberão volume de recursos maior, compatível com o maior número de candidatos que tal partido pode colocar em campo. Partidos menores receberão

menos. Esse sistema já existe na Alemanha e é a melhor forma de evitar a futura corrupção dos políticos. Ao verem-se livres das dívidas de campanha que poderão atuar com a isenção necessária ao cargo.

Além disso, é preciso acabar com o sistema de suplentes. Por lei, cada candidato tem o direito de escolher o suplente que quiser e assume o cargo na ausência do titular. Na pratica, é um sistema caro, onde pessoas que não receberam sequer um voto assumem os cargos políticos. Muitas vezes, o suplente financia a campanha de algum político mais conhecido do que ele justamente para, uma vez ganha a eleição, esse possa assumir o cargo e gozar dos benefícios de ser deputado.

1 Todo esse trecho foi escrito com base no artigo Lexington, The Economist 16 de junho de 2007

A cabeça da pomba

Estrutura do governo

Um dos princípios políticos mais felizes que foram criados no século XVIII foi o da divisão dos poderes. Os filósofos franceses que criaram essa idéia concluíram que a melhor forma de evitar a tirania e proteger as liberdades individuais seria repartindo o poder público em três partes similares: executivo, legislativo e judiciário. Cada um dos poderes teria atribuições distintas e serviria como contrapeso aos demais poderes, trazendo equilíbrio e estabilidade.

O princípio da divisão dos poderes deve ser rigorosamente mantido. No entanto, cabem algumas alterações no tamanho e forma de trabalho de cada um dos poderes.

Poder executivo

É o que faz cumprir as leis. O presidente da república é eleito por voto direto. Além de ser o símbolo do governo e do país, o presidente toma algumas decisões importantes sobre o dia-a-dia, usando para isso o Ministério e toda a estrutura do executivo.

Atualmente, um dos maiores problemas com relação ao poder executivo é que o número de assuntos tratados pelo executivo é grande demais para haver o devido foco no que é importante. Tendo como base as quatro atividades fundamentais que vimos anteriormente, deve haver uma grande alteração no Ministério.

A primeira recomendação é que a estrutura do executivo deve ser reduzida fortemente dos 33 ministérios atuais para no máximo oito. É um princípio elementar de gestão que ninguém é capaz de supervisionar adequadamente 33 pessoas. Em vez de haver, por exemplo, quatro ministérios separados para Defesa, Exército, Marinha e Aeronáutica, basta um único ministro da defesa para realizar o trabalho com muito mais eficiência.

Na prática muitos ministros acabam não conseguindo nem falar com o presidente e assumem papel decorativo. Cargos como ministro dos esportes e ministro da cultura devem ser extintos: esses são assuntos que não dizem respeito ao governo. Outros Ministérios a ser extintos deverão ser aqueles ligados a setores específicos da economia, como Telecomunicações e Minas e Energia. Devem-se eliminar também os Ministérios da Saúde e Educação. No modelo proposto mais adiante, veremos que não fará mais sentido manter Ministérios destinados a esses assuntos. Tal papel deverá ser realizado pelas agências reguladoras. Quem deverá gerir os assuntos desses setores serão as agências reguladoras especializadas, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), respectivamente. Existe até um Ministério das mulheres e outro da Igualdade Racial, assuntos que não demandam toda uma cara estrutura governamental.

É opinião dos autores que os Ministérios a serem mantidos seriam:

• Casa Civil — responsável pelas relações com o poder legislativo

• Justiça — responsável pelas relações com o poder judiciário

• Cidades — responsável pelas relações com os municípios

• Defesa — responsável por comandar os três braços das forças armadas, bem como as forças policiais

• Fazenda — responsável pela arrecadação de impostos, tarefa essencial do governo

• Meio Ambiente — responsável pela preservação do meio ambiente e uso de recursos naturais.

Assume a tarefa de vigiar o setor privado para conciliar os interesses do crescimento econômico com a sustentabilidade ambiental

• Social — responsável por chefiar a assistência social federal, bem como fiscalizar as agências sociais municipais

• Relações Exteriores — responsável pelo corpo diplomático e contatos com outros países

Os Ministérios a serem eliminados deveriam ser:

• Controladoria

• Ciência

• Trabalho

• Mulheres

• Portos

• Desenvolvimento

• Integração

• Aeronáutica

• Exército

• Comunicações

• Minas e Energia

• Esporte

• Saúde

• Educação

• Relações Institucionais

• Transportes

• Marinha

• Turismo

• Cultura

• Secretaria Geral

• Igualdade Racial

• Advocacia Geral da União

• Imprensa

• Agricultura

• Planejamento

Após a extinção da maioria dos Ministérios do poder executivo, os que restarem devem ter seus quadros fortemente enxugados e novos patamares de remuneração definidos. Atualmente mais da metade dos gastos do governo vão direto para pagamento de pessoal. É muito. A média de salário no setor público é mais que o dobro do setor privado para a mesma função, enquanto a carga de trabalho é menor. Nos últimos anos esse quadro só tem piorado. Entre 1992 e 2005, segundo a Associação Brasileira de Educação e Cultura (ABEC), a média de salário no Governo Federal aumentou 235%.

Quem transitar hoje em dia pela Esplanada dos Ministérios em Brasília poderá testemunhar o tamanho da burocracia pública. No prédio do Ministério do Desenvolvimento, por exemplo, existem seis elevadores, cada um dos quais com ascensorista. Cinco deles servem aos funcionários e visitantes, enquanto um sexto elevador possui uma placa escrito “somente para autoridades” enquanto um funcionário fica o dia todo postado na porta. Seu trabalho: impedir que “pessoas comuns” utilizem o elevador reservado para os cargos mais elevados. Mesmo se esquecermos por um instante a imoralidade de haver tal discriminação e estupidez dentro de um órgão público, esse desperdício de mão-de-obra é um sinal claro de como as coisas funcionam dentro das repartições do governo. Se cada Ministério ocupa um palácio de oito andares, abrigando uma infinidade de burocratas que ganham muito e trabalham pouco, por onde circulam centenas de copeiros e secretárias, imagine-se o custo de 33 Ministérios para a sociedade.

Segundo Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas, mais de 30% do quadro de funcionários públicos poderiam ser imediata e facilmente cortado sem prejuízo da qualidade dos serviços públicos. Isso ocorre porque a quase totalidade dos órgãos públicos estão inchados com muito mais pessoas do que seriam necessárias para realizar os objetivos do órgão em questão e também porque os processos são muito burocráticos. No Brasil, 22% da população economicamente ativa trabalha para o governo, um exército de 9 milhões de servidores públicos no total. Nos Estados Unidos, esse índice é de 14% enquanto no Chile é de apenas 10%, segundo a FGV-RJ. Reduzir o tamanho da burocracia brasileira é uma tarefa dura, porém essencial para que o País seja aliviado do enorme peso que atualmente carrega.

Poder legislativo

É o que cria e aprova as leis. Hoje no Brasil o legislativo é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, representando respectivamente o povo e as unidades federais. Na prática são dois órgãos caros e pesados, em que a corrupção e a criminalidade correm soltas. Quase um terço dos deputados brasileiros, por exemplo, respondem por processos criminais. Outros tantos são frequentemente envolvidos em escândalos políticos como o mensalão. Além disso, muitos deles concorrem à reeleição com campanhas fraudulentas, usando verbas públicas desviadas, e nesse processo vão se perpetuando no poder.

A primeira recomendação para o legislativo seria abolir o Senado. Como o Senado representa as unidades federais e estas devem sofrer forte mudança (veremos adiante), não haverá mais sentido em mantê-lo. A abolição do Senado tornaria o processo de aprovação de leis pelo menos duas vezes mais rápido do que o atual, além de economizar muito dinheiro e eliminar a necessidade de 81 políticos (três para cada uma das 27 unidades federais).

A segunda recomendação é reduzir a Câmara dos Deputados dos 513 parlamentares atuais para no máximo cem pessoas. Essa medida provavelmente não acabará completamente com a corrupção, mas ela será bastante reduzida, uma vez que cem pessoas roubam menos que 513. A redução do número de pessoas terá como efeito também o aumento do controle dos parlamentares por parte da sociedade, pois haverá menos gente para vigiar. Isso também deverá reduzir bastante o custo do Congresso Nacional para o País. Atualmente, o custo por habitante do Congresso Nacional brasileiro é um dos maiores do mundo. Proporcionalmente, cada brasileiro gasta com o Legislativo 3 vezes mais do que os chilenos, 5 vezes mais do que os americanos e 11 vezes mais do que os ingleses.

Em terceiro lugar, juntamente com a redução no número de parlamentares, deve-se diminuir significativamente o número de funcionários por parlamentar. Hoje em dia, enquanto países como França e Inglaterra têm, respectivamente cinco e três funcionários por parlamentar, no Brasil para cada deputado existem 32 funcionários no congresso2, recorde mundial nesse aspecto! O mesmo se aplica às chamadas verbas de gabinete, que são despesas de naturezas diversas às quais os deputados podem pedir reembolso. Segundo dados da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, alguns deputados gastam mais de R$ 20 mil por mês com tais verbas, o dobro do salário. Somente em combustíveis, um deputado do PSDB gastou R$ 6.242 em um único mês. Na esfera federal esses gastos são ainda maiores. É preciso reduzir o limite de gasto por deputado.

Por fim, o número reduzido de parlamentares é compatível com a definição mais estreita de governo que está sendo defendida. Se a abrangência das atividades públicas será reduzida, se o número de leis e regras deverá ser mantido sempre no mínimo, por que manter tantas pessoas no legislativo, quando o ideal é ter o mínimo possível de geração de novas leis?

Quanto à forma de trabalho do legislativo, essa deveria continuar nos moldes atuais. O poder legislativo deve receber leis propostas pelo executivo e pela própria Câmara, avaliar se a lei é compatível com as limitações constitucionais, se é boa para o País e votar pela aprovação ou não da lei. Acima de tudo, o legislativo deve vigiar a Presidência da República, impedindo aventuras populistas ou flertes rumo ao autoritarismo.

2 VEJA “empreguismo e trambicagens, 20 de setembro de 2006

Poder judiciário

É o que interpreta e julga disputas a respeito das leis. O poder judiciário é extremamente importante para qualquer país, pois representa o fórum de resolução de conflitos dentro do sistema democrático. Em um cenário ideal, o judiciário é enxuto e eficiente, sendo que as instâncias mais baixas julgam rapidamente processos baseando-se na lei, no cumprimento dos contratos e especialmente nos processos similares já julgados pelas instâncias superiores.

Infelizmente, em nosso país, a legislação brasileira é uma das mais extensas e confusas do mundo. Isso faz com que os casos de dúvida sejam muito freqüentes e a demanda sobre o poder judiciário seja enorme, tornando esse ineficiente braço do Estado extremamente lento. Processos que poderiam ser resolvidos em poucos meses levam anos para terminar,aumentando os custos para as partes litigantes e para o governo. Apesar de o Brasil contar com 40% a mais de funcionários por vara que a média mundial (14 versus 10) e gastar com esse setor quatro vezes mais que países semelhantes (3,7% do orçamento público versus 1% no caso do México), nosso judiciário não dá conta do volume de trabalho. Hoje existem mais de 50 milhões de processos em tramitação na Justiça, sendo que esse número deve dobrar na próxima década. As conseqüências dessa situação para quem produz são desastrosas.

Se um cliente deixar de pagar, por exemplo, R$ 50 mil de uma determinada dívida, o custo judicial para recuperar esse valor será de cerca de R$ 37 mil, quase 75% do valor do crédito. O prazo para recuperar judicialmente um imóvel pode chegar a 12 anos! Isso aumenta os juros cobrados por bancos e empresas, como forma de se protegerem, e machuca a economia. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa de crescimento do PIB poderia ser 25% maior caso o sistema judiciário funcionasse corretamente.

Os problemas começam no Supremo Tribunal Federal. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte julga apenas 200 casos por ano, restringindo-se a casos extremamente complexos ou de forte impacto para o país. Cada decisão da Suprema Corte costuma orientar milhares de decisões nas instâncias inferiores, de modo que um mesmo problema não tenha que tramitar diversas vezes pelos tribunais. O Supremo Tribunal Federal é o equivalente brasileiro. No entanto, passam anualmente por ele mais de cem mil processos, a maior parte dos quais exatamente iguais a processos anteriores já decididos. Isso torna muito difícil para esse órgão avaliar com calma as questões realmente importantes e contribui para sua própria inoperância.

O sistema judiciário trabalhista também apresenta sérios problemas. Nos últimos anos, segundo dados do sociólogo José Pastore, o judiciário vem recebendo uma média de dois milhões de novas ações trabalhistas por ano. Esse é disparado o maior número em todo o planeta. Para fins de comparação, nos Estados Unidos, a média é de 75 mil, na França, 70 mil, 30 vezes menos. Para cada R$ 1.000 julgados, a Justiça do Trabalho gasta cerca de R$ 1.300. Isso é o resultado do baixo nível de eficiência do judiciário e também é causado pelo anacronismo da legislação brasileira sobre o assunto. Veremos mais detalhes sobre isso no capítulo sobre a reforma trabalhista.

Por fim, pesquisas recentes com juízes demonstraram que o respeito às leis e aos contratos não é prioridade para os magistrados. Quase dois terços dos entrevistados afirmaram que atender às necessidades sociais é mais importante do que respeitar as regras de um contrato. Apesar disso soar bonito na teoria, essa absoluta distorção do papel do judiciário causa insegurança e perda de investimentos, uma vez que toda empresa instalada ou não no País sabe que seus planos de negócio, mesmo assinados e confirmados pelo governo, estão sujeitos às inclinações sociais e às preferências dos juízes. Existem diversas ações que precisam ser tomadas para melhorar esse quadro. A primeira delas é a simplificação da estrutura judiciária. Hoje existem diversos braços desse poder: os tribunais de alçada, os tribunais de justiça, os juizados especiais, as varas criminais, os tribunais de júri, os tribunais eleitorais, os tribunais do trabalho, os tribunais federais, os tribunais militares, o Supremo Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal e outros. O ideal seria enxugar fortemente o poder judiciário, consolidando os diversos braços em apenas três, sendo a divisão feita por nível. Dentro de cada nível, haveria cortes especializadas nos diversos assuntos a serem tratados. Essas cortes usariam as referências do Supremo Tribunal Federal como guia para julgar casos similares. Ou seja, é imprescindível que haja juízes especializados em suas determinadas áreas jurídicas, como o direito do trabalho, o direito rural etc. O que não é necessário é haver complexas estruturas burocráticas independentes para apoiar cada tribunal.

Além disso, é preciso melhorar as práticas de gestão, informatizando os tribunais, contratando administradores para gerenciar os tribunais e deixando os juízes com 100% de seu tempo voltado a julgar casos. Hoje a maior parte do expediente dos magistrados é consumida em tarefas administrativas e burocráticas.

Sempre que possível, o trabalho deve ser realizado pela iniciativa privada, que é mais eficiente. Ao governo cabe julgar os conflitos entre as partes. O Estado deve contratar, avaliar, manter e remunerar os juizes, garantindo a imparcialidade das decisões, mas não precisa manter a estrutura responsável pela burocracia jurídica.

Todas as varas e os tribunais judiciários deveriam ter sua parte burocrática privatizada. Ao Estado caberia somente a manutenção dos juizes e talvez alguns assistentes. O papel do juiz é escutar as partes, ter acesso a todas informações possíveis e tomar uma decisão imparcial com base na lei. As empresas privadas responsáveis pelo trâmite das burocracias jurídicas podem ser remuneradas por seu desempenho e punidas caso se constate alguma irregularidade em seu trabalho. Desta maneira, o tempo de demora dos processos diminuiria consideravelmente.

Outra ação importante a ser tomada é reduzir o tempo de processo valorizando cada vez mais os acordos extrajudiciais e usando intensivamente a jurisprudência para evitar julgar diversas vezes a mesma questão. Assuntos já decididos pelo Supremo Tribunal Federal devem ter seu desfecho resolvido instantaneamente.

É fundamental também que o poder judiciário permita uma ágil cobrança judicial e execução de bens. Economias modernas são fundamentadas na concessão de crédito. Se o recebimento de créditos não for uma atividade protegida pela lei, todo o sistema sofre, uma vez que bancos e emprestadores de dinheiro tendem a embutir nos juros o custo esperado com a burocracia de recebimento das dívidas. Isso aumenta o custo do dinheiro e prejudica todos, exceto os caloteiros. Existe uma lei no Brasil que impede que a casa própria de determinada família seja tomada como forma de pagamento de dívidas. Essa medida aparentemente humanitária teve como objetivo proteger as pessoas contra o despejo. No entanto, a realidade é que a tal lei é uma bobagem que impede as famílias de utilizar seu ativo mais valioso como colateral para obter empréstimos e investir. O México, por exemplo, constrói seis vezes mais metros quadrados por habitante do que o Brasil. Parte da explicação é que lá o acesso ao crédito imobiliário é muito maior, uma vez que o judiciário e a legislação não protegem os caloteiros como ocorre no Brasil.

Por fim, uma grande medida que se faz necessária está fora do âmbito judiciário. Grande parte do acúmulo de processos ocorre em virtude da confusão causada pela legislação brasileira, longa, complexa, contraditória e em constante mudança. Como falaremos adiante, somente na área tributária, o governo cria oito mil regras por ano. As dúvidas e os conflitos causados por essa monstruosidade são a causa de grande parte dos processos tributários.

Neste livro, é proposta uma forte redução no tamanho da Constituição Brasileira, fazendo com que a versão gerada em 1988 seja substituída por uma ou duas páginas. O mesmo deve ocorrer com as leis ordinárias. É preciso enxugar o volume de leis no Brasil. A simplificação das leis deve reduzir a carga de trabalho do judiciário.